quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Fala do Plur@l na Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo II

Fala da integrante do Plur@l Maria Inês Vancini Sperandio na Tribuna Popular da Assembléia Legislativa do Estado do Espírito Santo no dia 01/09/2008



Boa tarde, Senhor Presidente, demais senhoras deputadas e senhores deputados. Toda a população capixaba que nos acompanha via TV Assembléia e público aqui presente no plenário da Assembléia Legislativa. Sou Maria Inês Vancini Sperandio, cientista social pela Universidade Federal do Espírito Santo. Falo aqui hoje em nome do Plur@l – Grupo de Diversidade Sexual e do Nurgeds – Núcleo de Referência em Gênero e Diversidade Sexual, que está sendo implantado naquela universidade.

O Plur@l é um programa de extensão vinculado à Ufes. Enquanto grupo, existimos desde 2004, atuando com questões relacionadas à diversidade sexual e ao gênero. Nossas atividades buscam fazer com que o saber acadêmico-científico seja um instrumento para a intervenção e a transformação política, subsidiando e refletindo, especialmente, as ações do movimento de mulheres e do movimento de lésbicas, gueis, bissexuais, travestis, transgêneros e transexuais, conhecido pela sigla LGBT.

Pelo terceiro ano consecutivo, acontecerá o Manifesto do Orgulho LGBT de Vitória, evento previsto para o dia 07 de setembro, na Praia de Camburi. O Manifesto procura dar visibilidade a demandas de uma parcela específica da população: as pessoas LGBT. O maior objetivo dessa ação é fazer com que, ao ocupar o espaço público, essas questões também passem a fazer parte da agenda das políticas públicas. Trata-se de um tema que ganha cada vez mais legitimidade no cenário brasileiro. A presidência da república acabou de realizar a primeira Conferência Nacional GLBT, ocorrida em junho deste ano. O poder público capixaba não pode se furtar a essa discussão, dada a mobilização local em torno dessas questões e o próprio envolvimento com o tema por parte de importantes instituições públicas e políticas deste país.


Senhoras e Senhores Deputados, nesse sentido, nos causa estranheza que um representante capixaba no senado brasileiro demonstre ignorar ou colocar-se de maneira totalmente antidemocrática para com relação a esse assunto. Nos referimos ao senador do Partido da República (PR) pelo Estado do Espírito Santo, o Senhor Magno Malta. No dia 18 de outubro de 2007, na Tribuna do Senado Federal, ao posicionar-se sobre o Projeto de Lei 122/2006, que criminaliza o preconceito e discriminação contra LGBT, semelhante à atual Lei Contra o Racismo –, o senador capixaba construiu argumentos equivocados, preconceituosos e que ferem a laicidade do Estado brasileiro.


O Senador Malta diz que, com a aprovação desse Projeto de Lei, a liberdade de expressão religiosa do país passaria a sofrer algum tipo de cerceamento, uma vez que as lideranças religiosas não poderiam repreender, por exemplo, manifestações de afeto entre pessoas do mesmo sexo nos locais de culto.

Como se, após a aprovação, o Estado Brasileiro pudesse intervir na doutrina e valores religiosos, adentrar espaços de culto de modo a cerceá-los Isso não pode acontecer porque já está assegurada a liberdade de culto constitucionalmente.

Congregações aceitarem ou não práticas homossexuais entre seus fiéis é uma questão de foro privado que não pode ser aplicada a toda sociedade. Não se pode absolutizar esse valor, impondo um modo de existência a todos.


O direito de liberdade religiosa assim como o direito a livre expressão não pode ser interpretado como um direito irrestrito de proferir ofensas e discriminações. O direito à expressão religiosa não pode atravessar o direito à expressão da sexualidade e identidade de gênero.


O Senhor Magno Malta subverte o grande dever de um Estado de Direito que é o de promover o bem de todos, sem qualquer tipo de preconceito ou discriminação. Dessa forma, ao priorizar interesses de cunho religioso, vai contra a laicidade do Estado Brasileiro.


Numa outra linha de raciocínio o Senador considera a aprovação da tal Lei como uma abertura à liberdade de pedófilos. que para se safarem dos seus crimes, usariam o argumento de que a sua prática sexual nada mais é do que, nas palavras do próprio senador, “uma opção sexual”.

Senhoras e Senhores, o Sr. Malta confunde pedofilia com orientação sexual e ao fazer isso, coloca todas as expressões da sexualidade divergentes da heterossexual sob o crivo da prática pedófila ou criminosa.

Devemos, portanto, dissolver esse paralelismo entre pedofilia e homossexualidade. As práticas de cunho sexual entre adultos e crianças não têm nenhuma relação intrínseca com a vivência da homossexualidade. Da mesma forma que há homossexuais pedófilos, há heterossexuais, bissexuais, solteiros ou casados, sejam homens ou mulheres, que também são pedófilos. Pedofilia não é orientação sexual.


É terrível e violenta a confusão semântica entre essas experiências do campo da sexualidade. Essa lógica faz com que as pessoas LGBT, que cotidianamente vivenciam discriminação nos mais diferentes graus de violência passem a ser os algozes de práticas criminosas e imorais.

Outra idéia absurda que coloca a homossexualidade no campo das imoralidades é a de que, com aprovação da lei, os homossexuais se sentiriam livres para terem práticas sexuais em qualquer lugar indiscriminadamente. Essa idéia se apóia numa outra já conhecida nossa a de que a promiscuidade é inerente aos homossexuais, concepção essa que justificou durante muito tempo a patologização e marginalização do amor entre pessoas do mesmo sexo.

Senhoras e Senhores Deputados e população que nos assiste, tal tipo de discurso se apóia em valores de uma sociedade machista e heterossexista; que cria uma visão de mundo excludente e fascista. Com base neste tipo de moral, mulheres, pessoas com deficiência física e mental, crianças e idosos, escravos, negros, povos colonizados e pobres foram em outras épocas, e ainda são em muitos contextos, considerados menos humanos e postos em condição de dignidade subalterna, tidos como menos dignos de existência que um homem ocidental branco heterossexual.


Nossa sociedade concebe a heterossexualidade como única expressão saudável e legítima da existência humana. Outras experiências individuais e sociais que se apresentam distintas desse modelo são identificadas como doença e aberração e que, por isso, precisam ser tratadas e controladas.


A homossexualidade é uma orientação do âmbito da sexualidade, assim como a heterossexualidade, que dá sentido à vida de muitas pessoas; é aprendida socialmente assim como qualquer outra experiência, tal como crença religiosa, hábito alimentar.

Reconhecer a dignidade de gays, lésbicas, bissexuais, transgêneros, assim como de prostitutas, pessoas que têm práticas sexuais sado-masoquistas e outras não significa combater a instituição familiar, nem a heterossexualidade. Tal argumento tem produzido um pânico moral infundado.

O movimento LGBT, apoiado inclusive por muitos heterossexuais, busca minimizar, por meio das garantias de um direito democrático da sexualidade, os efeitos de um histórico longo de discriminação e violência contra essa população a fim de assegurar, assim, cidadania plena e reconhecimento social.

Os direitos democráticos da sexualidade estão intimamente atrelados ao direito de toda a sociedade.

O que podemos notar Senhoras e Senhores Deputados, é que os estereótipos sobre os homossexuais figuram ainda apenas nas mentalidades daqueles que não toleram a diversidade humana, mas pretendem impor valores sociais que se encontram em franca decadência. A idealização de certos padrões é fortemente questionável, uma vez que a história humana é formada, indiscutivelmente, pela pluralidade étnica, sexual, comportamental, religiosa, política, cultural etc.


Dessa forma, Senhoras e Senhores, queremos fazer uma discussão sobre o projeto com base em argumentos menos preconceituosos e mais claramente embasados em princípios estabelecidos pela democracia contemporânea e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual este país é signatário.


Muito obrigada ao deputado Cláudio Vereza, obrigada a todos e todas. Boa tarde!



Um comentário:

Kiko disse...

O discurso proferido por Maria Inês reveste-se de um conteúdo didático, muito esclarecedor. Expressa o que deve ser a base do pensamento consolidado pelo movimento LGBT em busca da afirmação de sua luta por liberdade e garantias legais.
Parabéns pelas sábias palavras, com idéis claras e muito bem articuladas.
Eromildo.