segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Texto sobre gênero e divesidade sexual na escola

Texto utilizado no material do XXV Congresso dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo, que aconteceu entre os dias 10 a 13 de setembro. O evento foi organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (Sindiupes). O artigo também foi publicado (1º/09) na Revista Olhar Crítico.



Gênero e Diversidade Sexual na Escola


Paulo Gois Bastos[1]

Luiz Cláudio Kleaim[2]

Plur@l – Grupo de Diversidade Sexual[i]


“Já se disse, muitas vezes, que sem a sexualidade não haveria curiosidade e sem curiosidade o ser humano não seria capaz de aprender. Tudo isso me leva a apostar que teorias e políticas voltadas, inicialmente, para a multiplicidade da sexualidade, dos gêneros e dos corpos possam contribuir para transformar nossos modos de pensar e de aprender, de conhecer e de estar no mundo em processos mais prazerosos, mais efetivos e mais mais intensos.”

Guacira Louro



A professora pede que seus alunos levem seus brinquedos preferidos para a sala de aula. Ludovic, um dos meninos, traz como brinquedo um casal de bonecos. A sala cai em risadas e a professora, com sorriso constrangido, sugere que o garoto devolva os brinquedos para a irmã em casa ou junte-se a uma colega que também trouxe os mesmos bonecos. O garoto, visivelmente contrariado, percebe que a sua preferência lúdica não teve o mesmo respeito que a dos demais. A professora, atordoada, procura contornar a situação, porém, sem discutir a atitude do seu aluno. Essa história é uma cena do filme Minha Vida em Cor de Rosa (de Alain Berliner, 110 minutos, 1997). A obra narra a história de Ludovic, um menino que brincava de boneca e gostava de meninos. Assim como na ficção, esse tipo de situação é, quase sempre, causador de incômodo, estranhamento e constragimento no ambiente escolar.


A professora agiu corretamente? O que ela deveria ter feito? Ter recolhido o brinquedo? Ter orientado Ludovic para que ele brincasse com carrinhos? Ter repreendido toda a turma pelas risadas e gozações, protegendo, assim, o garoto? Ter questionado o porquê do riso e estranhamento da turma? Ter dado uma aula sobre quais brinquedos são para meninos e meninas?


De um modo geral, na escola, quando um menino apresenta uma predileção por brincar de bonecas, não participa de brincadeiras e jogos com outros meninos ou porta-se de maneira mais “delicada” e “sensível”, há um constragimento dos demais com relação a sua orientação sexual. Esse incômodo é exterior ao garoto, são seus colegas e professores que não têm “clareza” da orientação sexual dele e, por isso, cobram-lhe atos que perfaçam um universo mais adequado para ele, atos esses que o enquadrem e estabeleçam a expectativa de normalidade desse corpo masculino.


Situações como as de uma menina brigona que bate em meninos; de meninas que gostam de jogar futebol; de meninos que decoram e colorem o caderno; do uso de roupas mais femininas por meninos e de roupas masculinas por meninas; e de muitas outras parecem tirar o sossego de muitos professores e professoras. Na maioria das vezes, a reação dos profissinais da educação é a de atribuir, à orientação sexual do seu aluno ou aluna, a causa desses constrangimentos. E, mesmo quando essa constatação acontece, há uma fuga da problematização dessas diferenças junto a todo o corpo escolar.


Mesmo quando se aborda a questão da orientação, ficam algumas lacunas ao evidenciar as nuances atreladas à noção de sexualidade, pois ela não está apenas limitada ao objeto de desejo erótico-afetivo. Sua manifestação e os significados que lhe atribuímos estão envoltos de diversos outros significados. Nos casos acima exemplificados, estamos tratando do modo como se estabelecem as relações entre homens e mulheres, homens e homens e mulheres e mulheres. Estamos falando de gênero.


Gênero é uma forma de significar os corpos sexuados de homens e de mulheres. É uma construção social imposta sobre os corpos. A engenharia do gênero pode ser ilustrada da seguinte maneira: quando uma gestante recebe o resultado de sua ultrassonografia, na qual é revelada a genitália da criança, aciona-se um rol de atitudes preparatórias para antes e depois do nascimento. A arquitetura do quarto, o vestuário, os brinquedos, o comportamento de familiares e o que se esperará dessa criança constituem exemplos deste dispositivo de sexo em ação que começa a funcionar antes mesmo do seu nascimento. Esses significados do gênero agem como uma rede de interações discursivas de diversas instituições na produção de corpos-homens e corpos-mulheres.


Exemplos banais das tecnologias discursivas de gênero são encontrados em sentenças como “meninos não choram”, “meninas brincam de boneca!”, “menina, sente direito!”, “homem tem que ser forte”, “mulher tem que ser amorosa” etc. Em Minha Vida em Cor de Rosa há um estranhamento. Essas tecnologias parecem falhar tendo sua eficácia questionada. Por tratar-se de uma construção cultural, que marca os corpos, esse conjunto de significados está fadado a ser tensionado e borrado.


Ludovic, dono de um corpo biologicamente masculino, põe a artificialidade dessa construção em evidência. Devido ao questionamento dos seus atos, ele passa a ser enquadrado como orientado de uma sexualidade diferente da do restante de seus colegas. Entretanto, a situação apresentada pelo filme ultrapassa as questões de orientação sexual. Não se trata apenas da definição de um objeto sexual, mas de como aquele garoto “descumpriu” aquilo que se espera de um individuo masculino da sua idade, ou seja, são exigidas dele performances de gênero que garantam a sua heterossexualidade.


Nesse aspecto, o gênero é sofisticadamente heteronormativo uma vez que ele se realiza por meio de reificações, reiterações e regulações desse corpo na exigência de seu destino exclusivamente heterossexual.


Trabalhar gênero e orientação sexual na sala de aula exige um olhar atento dos diversos agentes que atuam no processo educacional. É redundante dizer que a escola é um espaço de socialização dos mais impactantes na (re)definição de valores, inclusive na reificação das tecnologias do gênero. Não se trata de utilizar manuais ou fórmulas prontas para lidar com essas questões, mas, a partir das demandas e experiências de alunos e professores, colocar essa problemática em evidência.


Não é preciso ir muito longe para buscarmos referências de como tratar essa temática no processo educacional. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) já trazem diretrizes e elementos para nortear a abordagem transversalizada da Orientação Sexual. Uma observação atenta a esse texto é um pontapé para que o gênero também seja um conteúdo problematizado de maneira crítica e transformadora no cotidiano escolar.


A recusa a ou tratamento inadequado da referida temática, por parte da escola, contribui para perpetuar práticas e valores machistas e hetoressexistas. Dessa forma, o processo educacional fica em descompasso com os Direitos Humanos e com uma educação pluralista, princípios estes assegurados por nossa Constituição. Cabe-nos, enquanto educadores e educadoras, potencializarmos a curiosidade inerente à sexualidade, obtendo assim um instrumento para o aprendizado de uma vida sexual criativa, prazerosa e responsável.



Referências:


BENTO, Berenice. Corpos e Próteses: dos limites discursivos do dimorfismo. http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/B/Berenice_Bento_16.pdf. 2006?. Acesso em 10/10/2006.

______. A reinvenção do corpo: Sexualidade e gênero na experiência transexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006.


Brasil. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais. Brasília: MEC/SEF, 1997.


Brasil. Parâmetros curriculares nacionais: Orientação Sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997.


BUTLER, Judith. Problemas de Gênero Feminismo e subversão da identidade. Trad. Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.


LOURO, Guacira (org). O Corpo Educado: Pedagogias da Sexualidade. 2. ed. 3ª reimpressão. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.


Minha Vida em Cor de Rosa. Direção: Alain Berliner. Produção: Haut et Court. 110 min. 1997.


SCOTT, Joan W. “El género: uma categoria útil para el análisis histórico”. 1996. Em: Lamas Marta Compiladora. El género: la construcción de la diferencia sexual. PUEG, México, 1996, p. 265-302.


[1] Jornalista, graduando em Comunicação Social pela Ufes, integrante do Plur@l – Grupo de Diversidade Sexual. Contato: pgoisb@yahoo.com.br

[2] Professor da rede estadual de ensino, graduado em Letras pela Ufes, integrante do Plur@l – Grupo de Diversidade Sexual. Contato: luizclaudiokleaim@yahoo.com.br



[i] O Plur@l – Grupo de Diversidade Sexual é um programa de extensão da Universidade Federal do Espírito Santo. O Grupo existe desde 2004 e desenvolver ações de pesquisa, estudo e intervenção sobre a temática do gênero e da diversidade sexual. Contato: plural_es@yahoo.com.br e www.grupoplural.blogspot.com.



Publicado no dia 1º/09/2008 em:


http://www.coopemult.com.br/olharcritico/ver_artigo.asp?capa=1


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